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ÁLAMO ESGUIO

Tributo à memória e à obra religiosa, artística e cultural do P.e Manuel Coelho de Sousa (1924-1995), figura cimeira da Igreja e cultura açoriana do século XX, como padre, jornalista, poeta, professor, orador, escritor,dramaturgo e animador cultural

ÁLAMO ESGUIO

Tributo à memória e à obra religiosa, artística e cultural do P.e Manuel Coelho de Sousa (1924-1995), figura cimeira da Igreja e cultura açoriana do século XX, como padre, jornalista, poeta, professor, orador, escritor,dramaturgo e animador cultural

Coelho de Sousa, em perfil muito parcelar

DSousa, 26.12.04

  • O Padre Manuel Coelho de Sousa foi uma das personalidades mais singulares da Igreja dos Açores no século XX. Numa altura em que a Igreja Católica exercia uma verdadeira hegemonia cultural na sociedade açoriana, por ser o único poder verdadeiramente implantado em todos os segmentos dessa sociedade, na sua dupla dimensão regional e local, Coelho de Sousa exerceu a função de ponte e de intermediário entre a cultura eclesiástica e a cultura popular. Entre a Igreja de todos os tempos e os tempos de uma cultura que, nos Açores, ainda tinha a Igreja como único horizonte social possível, mas já em rota de progressiva erosão dos valores tradicionais que haviam alimentado, durante séculos, o quotidiano dos açorianos.

  • Com uma concepção da cultura religiosa e da função eclesiástica mais esteticista do que teológica, mais intuitiva do que sistemática; Com uma sensibilidade tão atenta e apurada para a dimensão humana do fenómeno religioso, como para a dimensão religiosa do fenómeno humano; Com a consciência profunda de que a Igreja, que se pretende intemporal nas suas verdades, não pode descuidar ou alhear-se das formas concretas em que esta intemporalidade tem de ser vivida e percebida pelas pessoas;

  • Com este somatório de preocupações e com este horizonte de actuação, Coelho de Sousa conseguiu enriquecer a sua acção pastoral com a dimensão estética da sua alma de poeta, preencher o seu papel na sociedade dos homens com o conteúdo e a força das verdades do Evangelho, encarando com seriedade imaginativa e criadora os aspectos lúdicos das actividades sociais e dando, muitas vezes, uma feição lúdica e de encanto quase mágico, às actividades inerentes à sua função de padre e de pastor.

  • Actuando permanentemente na margem entre estes dois mundos, mas profundamente inserido em ambos, Coelho de Sousa foi, durante toda a sua longa vida de sacerdote, de pároco e de orador sacro, na Igreja, e de poeta, professor, jornalista, escritor, pintor e dramaturgo do palco e de danças do carnaval, na sociedade civil, um genuíno "Álamo Esguio". Mergulhando fundo as  suas raízes na cultura popular e na cultura religiosa da Bíblia e da tradição católica  conseguiu revitalizar muitas manifestações das duas sem trair ou deturpar nenhuma delas.

  • Seguramente, em muitas horas da sua vida, "transido nas alturas como quem tem frio", em solidão silenciosa, mas, mais seguramente ainda, em muitas outras, em expressão exuberante e pujante de "alma rabiscada em letras mil de mil poemas confundidos".

Álamo

DSousa, 26.12.04

Álamo esguio

Transido nas alturas como quem tem frio,
Tremulam tuas folhas de inconstante esperança...
Assim,
Tu és igual a mim.
Tu tens de herança
O gosto de subir.
Pareces duas mãos em gesto de pedir
Numa oração nervosa.
E a tua solidão
Silenciosa,
É como a folha branca dum missal
Onde ninguém tivesse escrito nada...
E mais,
Tu tens coração
Feito de nuvens outonais
Sem vendaval
De qualquer paixão...
Mas mesmo assim,
Serás igual a mim?
Não.
Não pode ser que trago a alma rabiscada
Em letras mil de mil poemas confundidos.
É tua e minha a solidão.
Mas é só teu aquele silêncio esguio
Transido nas alturas como quem tem frio...

S. Rafael, 1954

"Poemas de Aquém e Além",
Coelho de Sousa,
União Gráfica Angrense,
Angra do Heroísmo, 1955, pags. 33-34