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ÁLAMO ESGUIO

Tributo à memória e à obra religiosa, artística e cultural do P.e Manuel Coelho de Sousa (1924-1995), figura cimeira da Igreja e cultura açoriana do século XX, como padre, jornalista, poeta, professor, orador, escritor,dramaturgo e animador cultural

ÁLAMO ESGUIO

Tributo à memória e à obra religiosa, artística e cultural do P.e Manuel Coelho de Sousa (1924-1995), figura cimeira da Igreja e cultura açoriana do século XX, como padre, jornalista, poeta, professor, orador, escritor,dramaturgo e animador cultural

"Coelho de Sousa": O Homem que não cabia dentro do Padre (Fim)

DSousa, 21.10.05

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Anos mais tarde,o próprio poeta Coelho de Sousa, já liberto de muitos dos espartilhos que a sua condição de sacerdote impunha à sua arte, e sobretudo à sua liberdade poética, viria a dizê-lo claramente no poema de fecho do livro Três de Espadas:

Estrangulada nos lábios,

A palavra já morreu .

Fica a ideia para os sábios

Se o cadáver não sou eu...(…)

 

Não venham bater-me à porta

 A pedir palavra dita!

Que a palavra já está morta

E nunca mais ressuscita...!

Felizmente que as palavras do Pe.Coelho de Sousa nunca chegaram a morrer.

E mesmo aquelas que, como acontece com o seu primeiro livro, agora reeditado, se referem a um mundo que já não é bem aquele em que vivemos, continuam vivas.

Porque o P.e. Coelho de Sousa — escritor, poeta e orador sacro — sempre relacionou a palavra — seja a palavra do Homem ou a palavra de Deus através da palavra do poeta e do orador — com o fluir da vida.

Para ele, como se vê na sua poesia, nas suas crónicas, nos seus sermões, nas suas meditações espirituais, a palavra era a vida, e não poderia haver uma dimensão da vida que não pudesse ser descrita através da palavra poética.

E eu nunca esqueci uma história a que assisti, andava eu pelos meus 10-11 anos, entre um grupo de senhoras aqui de São Sebastião que tinham acompanhado o seu pároco — o P.e Coelho de Sousa — à procissão dos Biscoitos.

Pouco antes de a procissão ter início, começara a chuviscar; e, na sacristia da igreja nova, uma das senhoras disse ao P.e Coelho que tinha sede, que precisava de beber água.

E então o P.e Coelho, com aquela sua pose elegante e também um pouco teatral, que o caracterizava, virou-se para as senhoras e, de braços abertos, disse-lhes:

 Ide, minhas pombas, Ide até lá fora e abri o bico para o céu: A água de Deus vos matará a sede…

E eu, na candura da idade, logo imaginei um grupo de devotas senhoras a correr pela rua fora, de boca aberta voltada para o céu, a matar a sede com a água da chuva...

Acho que foi esta a primeira vez, tirando as cantorias ao desafio dos nossos cantadores populares, como o Charrua ou a Turlú, que tive consciência de assistir à Poesia ao vivo.

E isso, quarenta anos depois, devo-o ao P.e Coelho de Sousa, personalidade ao mesmo tempo fascinante e difícil de entender, com quem eu nunca tive o prazer da intimidade nem, sequer, de conversar.

Mas, pelo menos, tenho os livros que ele nos deixou, onde encontro as palavras adequadas, e que nunca morreram, para, a cada momento, perceber um pouco melhor aquilo que é a Vida. E as pessoas…"

(Manuel Luís Fagundes Duarte, Coelho de Sousa: O Homem que não cabia dentro do Padre, Diário Insular, 20/10/2005)

Coelho de Sousa: O Homem que não cabia dentro do Padre (III)

DSousa, 21.10.05

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Mas o ser sacerdote — apesar de poeta — impõe limites à liberdade do Homem, mesmo entre os outros seres humanos.

E o Pe. Coelho de Sousa soube muito bem dar conta, sem nunca ferir directamente os cânones de comportamento definidos para os sacerdotes católicos, do drama que é, sendo homem, não poder sê-lo na totalidade.

O amor a que um sacerdote tem direito é um amor condicionado, porque reduzido à dimensão espiritual, o que contraria a condição humana — que é espírito, mas também é corpo.

E poucos sacerdotes terão expressado tão bem, como o fez o P.e Coelho, o drama de quem, sendo homem por inteiro — no corpo e na alma — fica incompleto naquilo que diz respeito ao amor, matéria em que terá que se ficar apenas pelo espiritual.

Embora não o diga claramente (porque não o podia fazer), Coelho de Sousa — o poeta — reflecte assim sobre a condição de Coelho de Sousa — o sacerdote — que não pode assumir o Amor por inteiro:

Não venhas nunca, não,

Fica- te além na tarde semi-morta

Como um lamento doce de maré na praia ardente.

Não venhas nunca, não.

Pois se tu vieres,

Hás-de juncar meus passos de saudades rubras.

Fica-te ao longe abraçando a opala

Dos horizontes.

Não venhas nunca, não.

 Pois se tu vieres,

Secam-se as fontes do coração

 De quem te espera,

Sem querer que venhas.

E ficará sem fala

Um manso olhar que te venera

Sem jamais te ver.

 Não venhas nunca, não, sorte encantada.

[pp. 29-30]

Que outra coisa poderá ser esta “sorte encantada”  que não o Amor?

Não apenas o Amor de Deus, mas todo o Amor, o Amor que, para o bem e para o mal, enquadra toda a vida do ser humano — e para cujo festim o sacerdote não é convidado a tempo inteiro.

Se o amor humano chegar  ao coração de um sacerdote, mesmo poeta, ele não o poderá fruir por inteiro, e isso fará com que se lhe sequem”as fontes do coração”.

Obrigado a escolher entre a dimensão  humana do sacerdote e a dimensão sacerdotal do homem, o sacerdote-poeta tem que  exortar o amor a que não lhe bata à porta, pois em vez de felicidade e completude só lhe traria dor e, o que é pior, o sentimento de ser incompleto:

”Pois se tu vieres,

Hás-de juncar meus passos de saudades rubras”.

E o poeta, que antes de ser sacerdote é homem, “ficará sem fala”.

Só que um poeta que perde a fala é um poeta incompleto.

E é, sobretudo, um poeta morto.

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