Qualquer que seja o vosso trabalho, fazei-o de boa vontade, como quem serve ao Senhor e não aos homens, certos de que recebereis como recompensa a herança do Senhor. Col III, 17 .
É com o seu trabalho que o homem sustenta a própria vida e a dos seus; por meio dele se une e serve aos seus irmãos, pode exercer caridade e colaborar no acabamento da Criação divina. Vat. II G.S. 67 .
Há tanta falta de emprego como falta de trabalho?
Ou há mais falta de vontade de trabalhar, com perfeição e sentido de poupança e respeito por si e pelos seus?
Será que a justiça social digna está remunerando dignamente todo o trabalho?
Ou há desproporções escandalosas nos salários da Social Democracia Portuguesa? Coelho de Sousa
O Cristão não é senhor de si mas está ao serviço de Deus. Esta obra é de Deus e também é vossa, se a levardes a bom termo. St.º Inácio de Antioquia
Se Cristo não veio para ser servido, quanto mais, nós? Entre disponibilidade para servir ou servir-se há distâncias enormes.
E hoje um dos sinais dos tempos é esta habilidade de subir sem mérito. Basta um pouco de realidade original. Coelho de Sousa
Agora que tive conhecimento da sua morte, as suas palavras ecoam-me nos gonzos da memória. Meu saudoso professor de português no então Liceu Nacional de Angra do Heroísmo, foi pela mão dele que eu iniciei a aventura da escrita. Dificilmente esquecerei aquele dia em que ele confirmou, numa aula, a existência de Deus, nestes termos: Deus existe. Nunca O vi, mas sei que Ele existe. Também não vejo o vento, mas sei que ele existe porque o sinto a bater-me na cara.
Referência indelével no imaginário de várias gerações de estudantes, o padre Coelho (como era popularmente conhecido) possuía o charme discreto de quem nunca deixou de sonhar intensamente. Foi um padre progressista, na verdadeira acepção da palavra. Mas sempre se assumiu como homem do povo, mantendo-se fiel às suas origens humildes e populares. Poucos como ele estiveram atentos às manifestações da cultura popular terceirense. Ele amou profundamente o seu povo.
Com o povo viveu, festejou e sofreu. E exerceu o ministério sacerdotal de forma apaixonada. Sempre de forma apaixonada.( )
Vivendo no microcosmo da ilha Terceira, o padre Coelho de Sousa foi um homem profundamente universal. Ele sentia em si todo o Universo e toda a dor do mundo. Viveu de actos e palavras, notabilizando-se como orador sacro: denunciou a falsidade, o egoísmo, a injustiça, o cinismo, a corrupção e a insensatez dos homens. ( )
Nas suas crónicas, Coelho de Sousa assumiu sempre a lucidez de uma consciência critica perante o mundo que o rodeava.
Aliás convirá aqui referir que, em tempos de repressão fascista, ele foi a coragem e a voz resistente no púlpito, na escrita e aos microfones do Rádio Clube de Angra, de que foi director.
Eloquente e afável, Coelho de Sousa foi um homem da metáfora poética( )
A obra poética de Coelho de Sousa espelha bem a lucidez fascinante do seu autor. Poeta do humano e do simbólico, a sua poesia conta e canta a trindade Criador-Amor-Ilha, e é atravessada por esse amor pressentido, luminoso e feliz.
Pintor que também foi, Coelho de Sousa retratou a alma humana no tempo da angústia e da solidão enorme.
E fixou, em tintas de esperança, a evidência e a plenitude do amor.
A minha guerra é de Amor, escreveu num dos poemas insertos em Três de Espadas.
A vida de Coelho de Sousa não foi outra coisa senão isso mesmo: uma guerra de. amor ao próximo.
Afinal Deus existe! E, decididamente, o Padre Coelho está vivo.
NÃO
Não venhas nunca, não.
Fica-te além na tarde semi-morta
Como um lamento doce de maré na praia ardente.
Não venhas nunca, não.
Pois se tu vieres,
Hás-de juncar meus passos de saudades rubras.
Fica-te ao longe abraçando a opala
Dos horizontes.
Não venhas nunca, não.
Pois se tu vieres,
Secam-se as fontes do coração
De quem te espera,
Sem querer que venhas.
E ficará sem fala
Um manso olhar que te venera
Sem jamais te ver.
Não venhas nunca, não, sorte encantada.
Faz, hoje, dez anos que morreu Coelho de Sousa.
Considerando o silêncio total, com que, nos Açores, a data está decorrendo, poderá parecer muito tempo.
Muito tempo, para alguém que foi um marco na vida da sociedade e da igreja açoriana.
Muito tempo, para alguém que, igualmente, deixou a sua marca e influência, em várias gerações de alunos do Seminário de Angra e no, então, Liceu de Angra.
Muito tempo, para alguém que teve voz e escrita diária, durante anos seguidos, na rádio e nos jornais.
Muito tempo, para alguém que foi considerado o último grande nome da oratória sagrada da Igreja dos Açores, num período em que a voz da Igreja ecoava com força e influência real, dentro e fora dos templos.
Muito tempo, para quem espalhou talento e arte, durante anos e anos, por festas, comemorações, desfiles e cortejos pelas cidades, vilas e freguesias da Terceira e de outras ilhas dos Açores.
Muito tempo, para quem, durante dezenas de anos, manteve uma prodigiosa e infatigável capacidade para se desdobrar, em presença activa, por todo o tipo de iniciativas e actividades de cariz cultural e artístico, desde os presépios do Seminário de Angra, da sua juventude, até às peças de teatro e às danças de carnaval da sua maturidade. Desde a poesia da sua estreia, em livro, em 1955, até ao seu último livro em prosa, em 1994. Desde a crónica diária em jornal, até à presença regular na rádio e à chamada esporádica à televisão.
É,de facto, muito silêncio e aparente esquecimento, para quem foi uma presença contínua e visível, durante mais de cinquenta anos, na vida de muitos milhares de açorianos.
Só mais um dado, a atestar este facto.
No prefácio ao primeiro livro de poesia de Coelho de Sousa, Poemas de Aquém e Além, em 1955, José Enes dizia : "O P.e Manuel Coelho de Sousa é assaz conhecido, nos Açores, como orador sagrado, poeta e desenhista".
Nos quarenta anos seguintes da sua vida, esse conhecimento e reconhecimento não cessou de aumentar e de se alargar dentro e fora dos Açores.
Mas o silêncio, embora pesado, ainda não é total.
Para Coelho de Sousa, o mês de Setembro ficou assinalado por dois factos relevantes. A sua morte, em 2 de Setembro de 1995, e o seu nascimento, em 30 de Setembro de 1924.
Se não foi possível assinalar, hoje, com alguma iniciativa apropriada, os dez anos do seu falecimento, posso anunciar que, no final deste mês, vão ser comemoradas aquelas duas datas, com o lançamento da segunda edição dos "Poemas de Aquém e Além".
Creio ser uma iniciativa adequada para recordar Coelho de Sousa, através de uma das facetas marcantes da sua personalidade artística.
A de poeta.
E de poeta vivo.
Dez ou cem anos, após a sua morte física.
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