Anos mais tarde,o próprio poeta Coelho de Sousa, já liberto de muitos dos espartilhos que a sua condição de sacerdote impunha à sua arte, e sobretudo à sua liberdade poética, viria a dizê-lo claramente no poema de fecho do livro Três de Espadas:
Estrangulada nos lábios,
A palavra já morreu .
Fica a ideia para os sábios
Se o cadáver não sou eu...( )
Não venham bater-me à porta
A pedir palavra dita!
Que a palavra já está morta
E nunca mais ressuscita...!
Felizmente que as palavras do Pe.Coelho de Sousa nunca chegaram a morrer.
E mesmo aquelas que, como acontece com o seu primeiro livro, agora reeditado, se referem a um mundo que já não é bem aquele em que vivemos, continuam vivas.
Porque o P.e. Coelho de Sousa escritor, poeta e orador sacro sempre relacionou a palavra seja a palavra do Homem ou a palavra de Deus através da palavra do poeta e do orador com o fluir da vida.
Para ele, como se vê na sua poesia, nas suas crónicas, nos seus sermões, nas suas meditações espirituais, a palavra era a vida, e não poderia haver uma dimensão da vida que não pudesse ser descrita através da palavra poética.
E eu nunca esqueci uma história a que assisti, andava eu pelos meus 10-11 anos, entre um grupo de senhoras aqui de São Sebastião que tinham acompanhado o seu pároco o P.e Coelho de Sousa à procissão dos Biscoitos.
Pouco antes de a procissão ter início, começara a chuviscar; e, na sacristia da igreja nova, uma das senhoras disse ao P.e Coelho que tinha sede, que precisava de beber água.
E então o P.e Coelho, com aquela sua pose elegante e também um pouco teatral, que o caracterizava, virou-se para as senhoras e, de braços abertos, disse-lhes:
Ide, minhas pombas, Ide até lá fora e abri o bico para o céu: A água de Deus vos matará a sede
E eu, na candura da idade, logo imaginei um grupo de devotas senhoras a correr pela rua fora, de boca aberta voltada para o céu, a matar a sede com a água da chuva...
Acho que foi esta a primeira vez, tirando as cantorias ao desafio dos nossos cantadores populares, como o Charrua ou a Turlú, que tive consciência de assistir à Poesia ao vivo.
E isso, quarenta anos depois, devo-o ao P.e Coelho de Sousa, personalidade ao mesmo tempo fascinante e difícil de entender, com quem eu nunca tive o prazer da intimidade nem, sequer, de conversar.
Mas, pelo menos, tenho os livros que ele nos deixou, onde encontro as palavras adequadas, e que nunca morreram, para, a cada momento, perceber um pouco melhor aquilo que é a Vida. E as pessoas "
(Manuel Luís Fagundes Duarte, Coelho de Sousa: O Homem que não cabia dentro do Padre, Diário Insular, 20/10/2005)
Mas o ser sacerdote apesar de poeta impõe limites à liberdade do Homem, mesmo entre os outros seres humanos.
E o Pe. Coelho de Sousa soube muito bem dar conta, sem nunca ferir directamente os cânones de comportamento definidos para os sacerdotes católicos, do drama que é, sendo homem, não poder sê-lo na totalidade.
O amor a que um sacerdote tem direito é um amor condicionado, porque reduzido à dimensão espiritual, o que contraria a condição humana que é espírito, mas também é corpo.
E poucos sacerdotes terão expressado tão bem, como o fez o P.e Coelho, o drama de quem, sendo homem por inteiro no corpo e na alma fica incompleto naquilo que diz respeito ao amor, matéria em que terá que se ficar apenas pelo espiritual.
Embora não o diga claramente (porque não o podia fazer), Coelho de Sousa o poeta reflecte assim sobre a condição de Coelho de Sousa o sacerdote que não pode assumir o Amor por inteiro:
Não venhas nunca, não,
Fica- te além na tarde semi-morta
Como um lamento doce de maré na praia ardente.
Não venhas nunca, não.
Pois se tu vieres,
Hás-de juncar meus passos de saudades rubras.
Fica-te ao longe abraçando a opala
Dos horizontes.
Não venhas nunca, não.
Pois se tu vieres,
Secam-se as fontes do coração
De quem te espera,
Sem querer que venhas.
E ficará sem fala
Um manso olhar que te venera
Sem jamais te ver.
Não venhas nunca, não, sorte encantada.
[pp. 29-30]
Que outra coisa poderá ser esta sorte encantada que não o Amor?
Não apenas o Amor de Deus, mas todo o Amor, o Amor que, para o bem e para o mal, enquadra toda a vida do ser humano e para cujo festim o sacerdote não é convidado a tempo inteiro.
Se o amor humano chegar ao coração de um sacerdote, mesmo poeta, ele não o poderá fruir por inteiro, e isso fará com que se lhe sequemas fontes do coração.
Obrigado a escolher entre a dimensão humana do sacerdote e a dimensão sacerdotal do homem, o sacerdote-poeta tem que exortar o amor a que não lhe bata à porta, pois em vez de felicidade e completude só lhe traria dor e, o que é pior, o sentimento de ser incompleto:
Pois se tu vieres,
Hás-de juncar meus passos de saudades rubras.
E o poeta, que antes de ser sacerdote é homem, ficará sem fala.
Só que um poeta que perde a fala é um poeta incompleto.
E é, sobretudo, um poeta morto.
(Texto do Professor Doutor Manuel Luís Fagundes Duarte, utilizado na sessão comemorativa do 10º aniversário da morte (2/9/1995) e 81 anos do nascimento (30/9/1924) do P.e Coelho de Sousa, e publicado no Diário Insular de 20/10/2005)
Muito se escreveu sobre a pessoa e a obra do Pe.Coelho de Sousa o Padre Coelho - como era por todos conhecido,e muito haverá ainda para se escrever sobre este homem multifacetado que nasceu na Vila de São Sebastião no dia 30 de Setembro de 1924, que ali viveu grande parte da sua vida, e que ali produziu uma obra literária e de oratória sacra de grande valia, e que enriquece e enche de orgulho a cultura açoriana.
E valerá a pena recordar,mesmo de passagem,o que sobre este poeta e orador escreveram personalidades como Dionísio Sousa, José Enes, José Lúcio Sampaio, Júlio da Rosa, Esaú Dinis, Caetano Valadão Serpa, Artur Goulart, Valdemar Mota, Álamo Oliveira ou Eduardo Ferraz da Rosa pessoas ilustres que o conheceram, que com ele conviveram, que estudaram a sua obra, e que sobre tudo isto já deram notícia.
A propósito desta efeméride do Pe. Coelho, foi preparada e lançada uma segunda edição do seu primeiro livro de poesia, Poemas de Aquém e Além, publicado há exactamente cinquenta anos e há muito esgotado, e que agora fica à disposição dos leitores em geral.
Por esta iniciativa de Dionísio de Sousa e da Junta de Freguesia de São Sebastião, estou eu, e deveremos estar todos, muito reconhecidos.
Se, como escreveu o Pe. Júlio da Rosa, num texto de homenagem ao nosso poeta publicado em 2001 nas páginas do Diário Insular, O Pe. Coelho não pode morrer, a única maneira de não se deixar morrer um poeta é editar-lhe e publicar-lhe a obra.
E depois promover a sua leitura, o seu conhecimento e o seu estudo.
Nesta matéria, a Junta de Freguesia de São Sebastião deu um precioso contributo patrocinando a reedição dos Poemas de Aquém e Além.
Esperamos agora que os professores de Português das nossas escolas adoptem, nas suas aulas, os poemas (e outros textos) do Padre Coelho de Sousa.
O que terá uma dupla utilidade: mostrar aos nossos jovens como se fala e escreve bem a língua portuguesa e podemos dizer que o Pe. Coelho foi um mestre na arte de utilizar a nossa língua e como a poesia pode ser um grande meio para as pessoas exprimirem aquilo que sentem e a visão que têm do mundo, das pessoas, das coisas e dos sentimentos.
De facto, o Pe. Coelho foi mestre nestas duas artes: enquanto escritor, foi um grande cultor da língua portuguesa; e enquanto poeta, foi um fino intérprete da aventura humana.
(cont.)
No Pai-Nosso rezamos perdoai-nos, Senhor, assim como nós perdoamos.
À primeira vista o perdão divino está condicionado ao nosso perdão humano.
E é assim.
Muitas vezes a gente não consegue o que pede a Deus, porque Ele condiciona o seu benefício à nossa atitude de perdão.
Nós queremos que Ele nos perdoe, mas não queremos perdoar, para não perdermos a nossa posição ou a nossa razão.
E às vezes não temos razão nenhuma.
Superabunda-nos a vaidade e a soberba não só para pedir como até para dar o perdão
Ora imaginemos que Cristo e Nossa Senhora, nos pagavam com a mesma moeda?
Cuidado, não se pode abusar da Misericórdia de Deus.
Com Deus não se brinca.
Nem com Cristo.
Embora, às vezes, o Senhor Jesus se deixe tocar com as brincadeiras das crianças inocentes e até com o humor de certos santos alegres e felizes.
O perdão custou a vida a Cristo.
E as dores mais tremendas a Nossa Senhora, e nós não queremos sofrer nada por dar ou receber o perdão.
. ...
. Logo
. Alamo Oliveira: Coelho de...
. O testemunho de Álamo Oli...