Sábado, 16 de Junho de 2007
Coelho de Sousa: De Porta em Porta (XII e último)
De Porta em Porta
(XII)
A justiça sem guarida

E a morte me fechou também a porta. E eu...
E eu voltei de novo para a rua... É meu
destino andar de porta em porta sem ninguém
me receber... pois todos julgam que me têm...
E grande número vive sem me conhecer...
Matar-me ninguém pode... Eu não posso morrer..
Sou a justiça eterna... E a Justiça é Deus...
Eu sou a paz da terra e a glória dos céus...
Irei de porta em porta... É este o meu destino...
Hei-de pedir pousada, como um peregrino.
Aceitarei de esmola ao bem sua guarida
E em paga deixarei ao homem sua vida...
A vida, aquela vida onde reina o amor...
A vida... A vida que é para ti... Em Deus, Senhor...
(2-IX-955)
Quinta-feira, 14 de Junho de 2007
Coelho de Sousa: De Porta em Porta (XI)
De porta em porta
(XI)
A justiça desprezada

E a morta me volveu admirada e breve:
Mas como podes ser tu a Justiça? Esteve
a humanidade aqui a celebrar-te a morte...
Essa criança a quem tu lastimaste a sorte
Trazia em suas mãos os goivos da saudade
Já morreu a justiça... Esta é que é a verdade.
Terça-feira, 12 de Junho de 2007
Coelho de Sousa: De Porta em Porta (X)
De porta em porta
(X)
A justiça desprezada

E fora por ali que a multidão entrara,
Pois era ali o termo daquela senda rara.
Bruxeleante luz de vela quase morta
marcava a quem entrasse o rumo doutra porta:
E fui ali bater...Talvez a derradeira
havia de ser... Bati... Surgiu-me uma caveira
Horrível, sobre pilha de ossos, temerosa...
E perguntou: Quem sois? (Tinha a voz cavernosa)...
Eu sou... E tu quem és? Sabei que sou a morte
E eu, notai, que sou, por Deus! Justiça forte...
Domingo, 10 de Junho de 2007
Coelho de Sousa: De Porta em Porta (IX)
De porta em porta
(IX)
A justiça desprezada

Abandonada e só, subia uma criança
Maltrapilha e triste, era a morte de uma esperança.
Sem que eu a boca abrisse, a perguntar me diz:
Quem sois assim estranha, tu também subis?
Alheia de mim mesma respondi: eu vou
aonde também fores...E eu quem sou? Eu sou..
Ah! desaparecera... Tinha-se ido embora,
aquela criancinha triste, encantadora
Não tinha a quem falar e não sabia nada...
Mas, em compensação, diante de mim, rasgada,
estava dando entrada, grande porta aberta...
Entrei também... Entrei. A sala estava deserta...
Sexta-feira, 8 de Junho de 2007
Coelho de Sousa: De Porta em Porta (VIII)
De Porta em Porta
(VIII)
A justiça Desprezada

Também entrei na Igreja, encontrei-a vazia...
Falei para as estátuas, mas eu nada ouvia...
Subi! Subi mais alto e fui junto ao altar...
Então ouvi dizer: Volta de novo a andar
E vai de porta em porta a perguntar, saber
Aonde as multidões caminham a sofrer...
Pergunta ao pobre ou rico, avelhentado ou novo;
ao pecador ou santo, ou a qualquer do povo
E tudo saberás. Voltei à rua, então
E fui seguindo atrás da enorme multidão...
Quarta-feira, 6 de Junho de 2007
Coelho de Sousa: De Porta em Porta (VII)
De porta em porta
(VII)
A Justiça Desprezada
E eu, justiça, fui de porta em porta ainda...
Mas esta multidão, assim enorme, infinda,
donde virá, aonde irá? Ao futebol ?
Talvez à praia ? Estava tão ardente o sol!
Não há tourada, hoje... E a verbena à lua
É no jardim à noite, e não assim, na rua...
Mas esta gente toda, assim, aonde irá?
Vão todos em silêncio... aonde irão? Sei lá!
E fui andando, andando... Eu já ia cansada...
Bati em toda a porta... Ninguém dizia nada...
Segunda-feira, 4 de Junho de 2007
Coelho de Sousa: De Porta em Porta (VI)
De porta em porta
(VI)
A justiça Desprezada
Mas a que porta, então, eu vim bater? Será
café, cinema, ou banco ou cabaré? Sei lá!
E mesmo que estes fossem, não podia entrar...
Justiça aqui, talvez, mal pode ter lugar...
E mesmo quando o tem, sai tão ferida às vezes...
Mas esta casa tem inúmeros fregueses...
Virão buscar remédio à medicina exacta?
Que é tão segura agora que a ninguém já mata?
Também não era ali a porta do hospital...
Pensei que fosse a entrada do tribunal...
E entrei, que ali eu tenho cátedra segura...
Mas, nem juiz nem réu, a sala estava escura...
Vem o porteiro então e grita " Vá p'ra rua"
Não há sentença hoje e... a casa não é tua...