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ÁLAMO ESGUIO

Tributo à memória e à obra religiosa, artística e cultural do P.e Manuel Coelho de Sousa (1924-1995), figura cimeira da Igreja e cultura açoriana do século XX, como padre, jornalista, poeta, professor, orador, escritor,dramaturgo e animador cultural

ÁLAMO ESGUIO

Tributo à memória e à obra religiosa, artística e cultural do P.e Manuel Coelho de Sousa (1924-1995), figura cimeira da Igreja e cultura açoriana do século XX, como padre, jornalista, poeta, professor, orador, escritor,dramaturgo e animador cultural

Texto completo do testemunho de Ferreira Moreno

DSousa, 03.05.13

(TEXTO DE FERREIRA MORENO)

O padre Manuel Coelho de Sousa, (Padre Coelho como era popularmente conhecido), nasceu a 30 de setembro 1924 na Vila de São Sebastião, ilha Terceira dos Açores, ali falecendo a 2 de setembro 1995. Em outubro 1937 entrava no Seminário d’Angra, recebendo a ordenação sacerdotal a 20 de junho 1948. Foi professor no Seminário e Liceu d’Angra e chefe de redação (1956-62) no jornal “A União.” Frequentou (1962-63) o Curso de Filologia Hispânica na Universidade de Salamanca, Espanha, após o que regressou aos Açores e foi nomeado pároco de São Sebastião, onde permaneceu até à data do seu falecimento. No entretanto assumia, em 1976, o cargo de diretor-adjunto de “A União”, e mais tarde diretor do jornal, posto que manteve até se aposentar em setembro 1994. Além de pároco, professor e jornalista, notabilizou-se ainda como orador sacro, poeta, dramaturgo, pintor, encenador e ensaiador, escritor e animador cultural. Neste recordando transcrevo agora o que escrevi ao tempo da sua aposentação: “Que dizer acerca do nosso tão querido padre Coelho? Ele que ofereceu magnanimamente os melhores anos da sua vida ao serviço e prestígio de “A União”, apesar de juntamente acarretar tantas e tantas outras responsabilidades, não só como sacerdote mas também como professor, fazendo tudo isto, e muito mais, com um espírito sempre jovem e inquebrantável. É verdadeiramente inesgotável o rol de recordações que me prende ao padre Coelho, desde as aulas de Português no Seminário às peças de teatro na época do Natal, desde a escuta reverente aos sermões na Sé Catedral à leitura proveitosa dos reflexos, das migalhas e tantos outros registos na imprensa local. Jamais esquecerei, por exemplo, numa das minhas romarias de saudade às ilhas, o convívio da minha visita a São Sebastião, terra natal do padre Coelho, donde parti de regresso à Califórnia trazendo comigo o livro “Na Rota da Emigração Amiga”, que li de ponta a ponta a bordo do avião. Mas a mais preciosa recordação, que ainda perdura na minha memória e que mais se aviva neste momento, encontra-se intimamente entrelaçada com a data inesquecível da sua ordenação sacerdotal, ocorrida em Ponta Delgada, S. Miguel, no dia 20 de junho 1948. Nesse dia e data, a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima estava presente em missa campal, com milhares de açorianos a testemunhar a sagração do neo-presbítero ao serviço do Povo das Ilhas de Nossa Senhora dos Açores. Obrigado, meu caro amigo, padre Coelho. Recordei, p’ra sempre, o grito que uma vez fizeste ecoar pelo nosso arquipélago: É urgente despertar / Deste marasmo de ilhéu / E pôr bandeiras no ar / Quem não acorda, morreu!” Com a data de 10 d’outubro 1994, o padre Coelho enviou-me a seguinte mensagem: “Amigo Moreno: Acabo de receber o que entendeste escrever sobre a minha saída e substituição no jornal “A União.” Como sempre foste, continuas generoso. Obrigado! Já não era sem tempo. Um cargo como aquele e naquele jornal, 18 anos quase, é esgotante. Faltou pouco para não ser mortal. Conservo saudades dos amigos responsáveis pela feitura e missão daquele jornal tão centenário como útil. Mas saí cansado. Desiludido. Amargurado por não me terem compreendido a tempo e horas e com mais caridade e justiça. Desculpa. Contos largos. Que Deus nos ajude.Peço-te: Continua escrevendo. As tuas crónicas sabem muito bem, ecoando os Açores em tantos jornais das nossas comunidades. Continua e dispõe sempre deste teu velho amigo.” O jornal “Expresso das Nove” de Ponta Delgada, na sua edição de 24 de dezembro 1993, publicou uma longa entrevista de Tibério Cabral com o padre Coelho. Serviu-me de tema p’ra uma série de quatro crónicas distribuídas pelo Portuguese Times e Portuguese Tribune, a que farei a devida referência no recordando da próxima semana, juntamente com a apresentação de diversos testemunhos de homenagem ao padre Coelho. Por ora registarei apenas os títulos e datas das obras literárias que o padre Coelho nos legou: Poemas de Aquém e Além (1955), Três de Espadas (1979), Na Rota da Emigração Amiga (1983), Migalhas (1987) e Boa Nova (1994), sendo os dois primeiros de poesias e os restantes de prosa. Como acentuou Luís Fagundes Duarte: “O padre Coelho foi mestre nestas duas artes. Enquanto escritor foi um grande cultor da língua portuguesa. Enquanto poeta foi um fino intérprete da aventura humana. Homem de fé, homem da igreja, ele foi também um homem do seu tempo, da sua terra, das pessoas com quem e sobretudo p’ra quem viveu.”

Conforme deixei dito no recordando da semana passada, o jornal “Expresso das Nove” de Ponta Delgada, (24-dezembro-1993), publicou uma longa entrevista de Tibério Cabral com o padre Manuel Coelho de Sousa (1924-1995). Serviu-me de tema p’ra uma série de quatro crónicas distribuídas pelo Portuguese Times e Portuguese Tribune. Evidentemente que, movido por um intuito parcimonioso, não irei repetir aqui e agora todos os excertos então utilizados. Tenciono transcrever tão somente as informações intimamente associadas com o sacerdócio do padre Coelho. “Fui um dos poucos padres que teve um processo na PIDE. Sofri seis horas de interrogatório e fui ameaçado de prisão por dizer a verdade e defender os Açores das injustiças desta adjacência que nos colonizou até aos nossos dias. Nunca me arrependi de ser padre. Foi a melhor escolha da minha vida. Deus tem-me ajudado. Tenho tido muitos defeitos e pecados, mas gosto de ser padre. Não me envergonho do meu sacerdócio. Tenho servido o melhor que posso. Poderia, talvez, ter servido melhor. Deus, talvez, não esteja tão contente comigo, como eu estou com Ele, mas sinto-me bem na Igreja. Isto p’ra dizer que gosto de ser padre e que respeito todos os meus colegas. Eu já disse ao meu bispo que um jornal como “A União”, apesar de pequeno e pobre, vale mais do que dez padres a pregar, porque a imprensa é o arquivo da História, o jornal é o arquivo do dia-a-dia do povo. Pena é que, muitas vezes, haja jornais que só saibam alimentar-se de escândalos e do negativo.” Em resposta à pergunta se, ao longo da sua vida de sacerdote, havia sido alguma vez assediado por mulheres, o padre Coelho declarou abertamente: “Fui. Basta ser simpático e dar nas vistas. Eu dava nas vistas no púlpito. A maneira como eu falava, porque fiz muita poesia no púlpito. Nosso Senhor me perdoe. Eu imprimia um ar de beleza literária nos meus sermões. Nosso Senhor deu-me este dom, e eu não tinha papas na língua. Houve pessoas que me fizeram declarações de amor platónico, e tive de pedir a Nosso Senhor que me ajudasse e me defendesse. Tive insinuações de uma banda e de outra, pois quem está neste mundo apanha vento dos dois lados da cara. Não faço com isto um papão. Nosso Senhor ajudou-me. Acredito na força da oração e acredito na comunicação dos santos. Cheguei a padre não foi só porque tive professores e diretores espirituais. Foi também porque tive uma mãe que rezou muito por mim e um pai que trabalhou de sol-a-sol.” Victor Rui Dores, (Crónicas Insulares, 2010) escrevendo acerca do padre Coelho, seu antigo professor no Liceu d’Angra, recordou com correnteza e carinho: “Estou a vê-lo, sorriso amistoso, ajeitando os óculos, caminhando esguio e elegante, nos corredores do Liceu, vestindo os impecáveis fatos de bom corte que sempre usava. É ele uma referência indelével no imaginário de várias gerações de estudantes. Era um interlocutor precioso e amabilíssimo, perspicaz e afectivo, dotado de agudeza de espírito e fina ironia. Profundamente humano, solidário e fraterno, eloquente e afável, culto e cativante, assumindo-se sempre como um homem do povo, desse povo que ele amou verdadeiramente, e com quem viveu, festejou e sofreu. Em tempos de repressão fascista, ele foi a coragem e a voz resistente, no púlpito, na imprensa e na rádio. Foi um homem universal, porque sentia em si todo o Universo e toda a dor do mundo. Denunciou a falsidade, o egoísmo, a injustiça, o cinismo, a corrupção e a insensatez dos homens. Dotado de grande sensibilidade estética, além de sacerdote e professor, foi jornalista, poeta, prosador, dramaturgo, conferencista e animador cultural de reconhecidos méritos. Poeta lírico do humano e do simbólico, a sua poesia conta e canta a trindade Criador-Amor-Ilha, e é atravessada por um amor pressentido, luminoso e quase feliz.” É da autoria de monsenhor Júlio da Rosa este cordial testemunho: “Coelho de Sousa foi um espírito dotado de variados dons. Verdadeiramente rico de ideias, projetos e obras. Espírito lúcido e fértil. Homem p’rá oratória, a poesia, a pintura, o drama e o jornalismo. Seria um dos maiores se se tivesse cingido a uma arte e feito uma opção. Sobraçou, contudo, com valor, mérito e glória um leque de valores artísticos, que só um talento bem dotado poderia criar e enriquecer.” A fechar, esta sentimental e poética evocação do padre Coelho: “Deus / Aquele que é por ser quem é, somente / Igual a si e a mais ninguém / Mas que hei-de ver, gozar eternamente.”

Ferreira Moreno.