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ÁLAMO ESGUIO

Tributo à memória e à obra religiosa, artística e cultural do P.e Manuel Coelho de Sousa (1924-1995), figura cimeira da Igreja e cultura açoriana do século XX, como padre, jornalista, poeta, professor, orador, escritor,dramaturgo e animador cultural

ÁLAMO ESGUIO

Tributo à memória e à obra religiosa, artística e cultural do P.e Manuel Coelho de Sousa (1924-1995), figura cimeira da Igreja e cultura açoriana do século XX, como padre, jornalista, poeta, professor, orador, escritor,dramaturgo e animador cultural

Coelho de Sousa: O Homem que não cabia dentro do Padre (III)

DSousa, 21.10.05

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Mas o ser sacerdote — apesar de poeta — impõe limites à liberdade do Homem, mesmo entre os outros seres humanos.


E o Pe. Coelho de Sousa soube muito bem dar conta, sem nunca ferir directamente os cânones de comportamento definidos para os sacerdotes católicos, do drama que é, sendo homem, não poder sê-lo na totalidade.


O amor a que um sacerdote tem direito é um amor condicionado, porque reduzido à dimensão espiritual, o que contraria a condição humana — que é espírito, mas também é corpo.


E poucos sacerdotes terão expressado tão bem, como o fez o P.e Coelho, o drama de quem, sendo homem por inteiro — no corpo e na alma — fica incompleto naquilo que diz respeito ao amor, matéria em que terá que se ficar apenas pelo espiritual.


Embora não o diga claramente (porque não o podia fazer), Coelho de Sousa — o poeta — reflecte assim sobre a condição de Coelho de Sousa — o sacerdote — que não pode assumir o Amor por inteiro:


Não venhas nunca, não,


Fica- te além na tarde semi-morta


Como um lamento doce de maré na praia ardente.


Não venhas nunca, não.


Pois se tu vieres,


Hás-de juncar meus passos de saudades rubras.


Fica-te ao longe abraçando a opala


Dos horizontes.


Não venhas nunca, não.


 Pois se tu vieres,


Secam-se as fontes do coração


 De quem te espera,


Sem querer que venhas.


E ficará sem fala


Um manso olhar que te venera


Sem jamais te ver.


 Não venhas nunca, não, sorte encantada.


[pp. 29-30]


Que outra coisa poderá ser esta “sorte encantada”  que não o Amor?


Não apenas o Amor de Deus, mas todo o Amor, o Amor que, para o bem e para o mal, enquadra toda a vida do ser humano — e para cujo festim o sacerdote não é convidado a tempo inteiro.


Se o amor humano chegar  ao coração de um sacerdote, mesmo poeta, ele não o poderá fruir por inteiro, e isso fará com que se lhe sequem”as fontes do coração”.


Obrigado a escolher entre a dimensão  humana do sacerdote e a dimensão sacerdotal do homem, o sacerdote-poeta tem que  exortar o amor a que não lhe bata à porta, pois em vez de felicidade e completude só lhe traria dor e, o que é pior, o sentimento de ser incompleto:


”Pois se tu vieres,


Hás-de juncar meus passos de saudades rubras”.


E o poeta, que antes de ser sacerdote é homem, “ficará sem fala”.


Só que um poeta que perde a fala é um poeta incompleto.


E é, sobretudo, um poeta morto.