Coelho de Sousa: O Homem que não cabia dentro do Padre (III)
Mas o ser sacerdote apesar de poeta impõe limites à liberdade do Homem, mesmo entre os outros seres humanos.
E o Pe. Coelho de Sousa soube muito bem dar conta, sem nunca ferir directamente os cânones de comportamento definidos para os sacerdotes católicos, do drama que é, sendo homem, não poder sê-lo na totalidade.
O amor a que um sacerdote tem direito é um amor condicionado, porque reduzido à dimensão espiritual, o que contraria a condição humana que é espírito, mas também é corpo.
E poucos sacerdotes terão expressado tão bem, como o fez o P.e Coelho, o drama de quem, sendo homem por inteiro no corpo e na alma fica incompleto naquilo que diz respeito ao amor, matéria em que terá que se ficar apenas pelo espiritual.
Embora não o diga claramente (porque não o podia fazer), Coelho de Sousa o poeta reflecte assim sobre a condição de Coelho de Sousa o sacerdote que não pode assumir o Amor por inteiro:
Não venhas nunca, não,
Fica- te além na tarde semi-morta
Como um lamento doce de maré na praia ardente.
Não venhas nunca, não.
Pois se tu vieres,
Hás-de juncar meus passos de saudades rubras.
Fica-te ao longe abraçando a opala
Dos horizontes.
Não venhas nunca, não.
Pois se tu vieres,
Secam-se as fontes do coração
De quem te espera,
Sem querer que venhas.
E ficará sem fala
Um manso olhar que te venera
Sem jamais te ver.
Não venhas nunca, não, sorte encantada.
[pp. 29-30]
Que outra coisa poderá ser esta sorte encantada que não o Amor?
Não apenas o Amor de Deus, mas todo o Amor, o Amor que, para o bem e para o mal, enquadra toda a vida do ser humano e para cujo festim o sacerdote não é convidado a tempo inteiro.
Se o amor humano chegar ao coração de um sacerdote, mesmo poeta, ele não o poderá fruir por inteiro, e isso fará com que se lhe sequemas fontes do coração.
Obrigado a escolher entre a dimensão humana do sacerdote e a dimensão sacerdotal do homem, o sacerdote-poeta tem que exortar o amor a que não lhe bata à porta, pois em vez de felicidade e completude só lhe traria dor e, o que é pior, o sentimento de ser incompleto:
Pois se tu vieres,
Hás-de juncar meus passos de saudades rubras.
E o poeta, que antes de ser sacerdote é homem, ficará sem fala.
Só que um poeta que perde a fala é um poeta incompleto.
E é, sobretudo, um poeta morto.