Coelho de Sousa, em perfil muito parcelar
DSousa, 26.12.04
- O Padre Manuel Coelho de Sousa foi uma das personalidades mais singulares da Igreja dos Açores no século XX. Numa altura em que a Igreja Católica exercia uma verdadeira hegemonia cultural na sociedade açoriana, por ser o único poder verdadeiramente implantado em todos os segmentos dessa sociedade, na sua dupla dimensão regional e local, Coelho de Sousa exerceu a função de ponte e de intermediário entre a cultura eclesiástica e a cultura popular. Entre a Igreja de todos os tempos e os tempos de uma cultura que, nos Açores, ainda tinha a Igreja como único horizonte social possível, mas já em rota de progressiva erosão dos valores tradicionais que haviam alimentado, durante séculos, o quotidiano dos açorianos.
- Com uma concepção da cultura religiosa e da função eclesiástica mais esteticista do que teológica, mais intuitiva do que sistemática; Com uma sensibilidade tão atenta e apurada para a dimensão humana do fenómeno religioso, como para a dimensão religiosa do fenómeno humano; Com a consciência profunda de que a Igreja, que se pretende intemporal nas suas verdades, não pode descuidar ou alhear-se das formas concretas em que esta intemporalidade tem de ser vivida e percebida pelas pessoas;
- Com este somatório de preocupações e com este horizonte de actuação, Coelho de Sousa conseguiu enriquecer a sua acção pastoral com a dimensão estética da sua alma de poeta, preencher o seu papel na sociedade dos homens com o conteúdo e a força das verdades do Evangelho, encarando com seriedade imaginativa e criadora os aspectos lúdicos das actividades sociais e dando, muitas vezes, uma feição lúdica e de encanto quase mágico, às actividades inerentes à sua função de padre e de pastor.
- Actuando permanentemente na margem entre estes dois mundos, mas profundamente inserido em ambos, Coelho de Sousa foi, durante toda a sua longa vida de sacerdote, de pároco e de orador sacro, na Igreja, e de poeta, professor, jornalista, escritor, pintor e dramaturgo do palco e de danças do carnaval, na sociedade civil, um genuíno "Álamo Esguio". Mergulhando fundo as suas raízes na cultura popular e na cultura religiosa da Bíblia e da tradição católica conseguiu revitalizar muitas manifestações das duas sem trair ou deturpar nenhuma delas.
- Seguramente, em muitas horas da sua vida, "transido nas alturas como quem tem frio", em solidão silenciosa, mas, mais seguramente ainda, em muitas outras, em expressão exuberante e pujante de "alma rabiscada em letras mil de mil poemas confundidos".